Brasil-China: 50 anos depois, com olhos nas fronteiras da ciência

A China é parceira estratégica do Brasil em um projeto de desenvolvimento soberano

Por Luciana Santos*

A soberania das nações está diretamente relacionada ao domínio tecnológico. Portanto, traçar estratégias de desenvolvimento é fundamental para um país como o Brasil, que tem abundância de recursos naturais, capacidade instalada e um capital de inteligência humana forte. O que é necessário, de fato, é fazer os investimentos adequados, incluindo o investimento em parcerias e cooperações internacionais que sejam vantajosas para o Brasil.

No contexto das parcerias e cooperações internacionais do Brasil e da Nova Indústria Brasil (NIB), a China desponta como um parceiro estratégico. Isso porque os dois países compartilham diversos interesses comuns e também porque têm grandes exemplos de que a cooperação sino-brasileira é, de fato, efetiva e mutuamente benéfica: o Programa de Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres, o CBERS.

Trata-se de uma das cooperações Sul-Sul mais bem-sucedidas do país, seja por seus resultados individualmente, seja pelo fortalecimento da relação Brasil-China. Já foram desenvolvidos seis satélites e os dois países já trabalham conjuntamente no sétimo, o CBERS-6, com investimentos de cerca de R$ 250 milhões. Pretende-se avançar rapidamente para o oitavo satélite sino-brasileiro, o CBERS-5, que será um satélite geoestacionário meteorológico e representará um grande avanço tecnológico para o Brasil.

Importa ressaltar que a área espacial, em particular, tem um perfil voltado à cooperação internacional. Explorar a fronteira do conhecimento do mundo que nos cerca e além requer forte relação de confiança mútua e intercâmbio de experiências, informações e boas práticas. Assim vem sendo o relacionamento sino-brasileiro nesse setor estratégico ao longo de quase 40 anos.

O MCTI, por meio do FNDCT, tem ampliado investimentos em infraestruturas de pesquisa e um exemplo é o Radiotelescópio BINGO. Essa é mais uma grande infraestrutura de pesquisa bilateral e será o único radiotelescópio do mundo que propõe mapear o hidrogênio atômico conforme traçado pela linha de 21cm em grandes escalas angulares. Os objetivos do projeto são compreender o setor escuro do Universo e desenvolver tecnologia de instrumentação para cosmologia observacional e astrofísica. A estrutura do radiotelescópio está sendo fabricada na China e temos a perspectiva de, ainda em 2024, concluirmos a montagem dessa importante infraestrutura.

No final de julho, o MCTI lançou o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) que busca, entre outros, promover o protagonismo global do Brasil em IA por meio do desenvolvimento tecnológico nacional e ações estratégicas de colaboração internacional. Nesse contexto, o MCTI já tem um planejamento comum e deve iniciar ações conjuntas em IA com o Ministério da Indústria e Tecnologias da Informação e Comunicação da China (MIIT). Pretende-se, ainda, avançar numa nova frente de desenvolvimento de IA com o Ministério de Ciência e Tecnologia da China (MOST).

Na grande área de transformação digital, o MCTI e o MIIT estabeleceram um plano de trabalho conjunto que contempla, além de IA, computação de alto desempenho, semicondutores, tecnologias quânticas e outras tecnologias. São áreas estratégicas para o desenvolvimento
dos dois países.

Pretende-se retomar, até 2025, o Diálogo Brasil-China de Inovação. O Diálogo visa promover o intercâmbio de políticas e conhecer o ecossistema de inovação da China, além de promover o intercâmbio entre pesquisadores de empresas de base tecnológica, intercâmbio de startups e parques tecnológicos e de boas práticas. É preciso retomar, também, o Centro China-Brasil de Inovação em Nanotecnologia. Esse Centro avançou bem, com bons resultados de pesquisa e desenvolvimento até 2018, mas foi descontinuado. Essa cooperação tem uma forte concentração de inovações em área que é estratégica para os dois países, porque inclui o tema materiais avançados.

As estratégias de desenvolvimento atuais ao redor do mundo, incluindo a brasileira, têm em comum a transição energética. Nesse ponto, o MCTI pretende trabalhar com o MIIT em pesquisa e desenvolvimento para a indústria fotovoltaica. Um país como o Brasil, abundante em sol (energia grátis), precisa aproveitar essa riqueza em benefício de sua indústria. E a China será o grande parceiro também no desenvolvimento de inovações para a indústria fotovoltaica.

É necessário citar a importante cooperação entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Tsinghua, que estabeleceram o Centro China-Brasil de Mudança Climática e Tecnologias Inovadoras para Energia em 2010. Esse Centro tem o apoio do MCTI desde o seu início e encontra-se em fase de expansão, com projetos nas áreas de desenvolvimento sustentável e iniciativas voltadas a temas como controle de poluição, mudança climática, energias renováveis, biocombustíveis, recursos hídricos, eficiência energética, energia nuclear, tecnologias de águas profundas para exploração de petróleo e gás, bioeconomia, florestas e clima, planejamento energético, cidades inteligentes, mobilidade, engenharia de petróleo, segurança industrial, transferência de tecnologia, inovação e empreendedorismo, programas de treinamento, dentre outros.

Nos próximos meses, deverá se estabelecer o Centro Sino-Brasileiro de Inovação em Iluminação a Estado Sólido, que vai funcionar no CTI Renato Archer, unidade de pesquisa do MCTI. Trata-se de uma cooperação de pesquisa aplicada na área de fotônica e energia, incluindo iluminação inteligente, iluminação agrícola, entre outras. Será uma cooperação importante para o Brasil, porque a fotônica pode ser aplicada a diversas áreas, incluindo telecomunicações, agronegócio e saúde.

O MCTI e suas unidades de pesquisa ainda vão engajar cooperação com a Academia Chinesa de Ciências, que tem uma estrutura que conta com unidades de pesquisa também. Pretendemos estabelecer uma cooperação ampla, em 15 áreas do conhecimento.

A cooperação sino-brasileira em CT&I tem um histórico inspirador e um potencial de colaboração enorme ainda, e talvez seja impossível explorarmos todas as capacidades desses dois grandes países. Por enquanto, seguimos engajados em várias ações conjuntas em prol do desenvolvimento das duas nações, para colhermos, no futuro próximo, os bons frutos que a ciência brasileira e a chinesa têm a oferecer ao mundo. A perspectiva para os próximos 50 anos é de muito desenvolvimento conjunto de tecnologias estratégicas que levem o Brasil e a China a serem protagonistas globais.

* Luciana Santos é engenheira elétrica, política e ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil.

 

Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.

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